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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Caindo na/da rotina


Sandro Luis Fernandes

Sei que rotina é importante. Se for maçante, mude-a. Mas haverá rotina.

Penso na minha rotina de infância: passar a mão num pão de casa com margarina no fim da tarde e sair correndo jogar futebol na rua ou em terrenos “invadidos” e limpos pela molecada. Tive muitas rotinas. Esperar a secretária, vizinha gostosa (calça justa e salto alto), que passava religiosamente no mesmo horário para delírio da piasada. Dormir após acabar o jornal nacional para agüentar madrugar no dia seguinte. Adolescente: ir de bicicleta (barraforte do meu pai) para escola (2º grau), voltar para casa e ir trabalhar (à tarde).

Muitas rotinas quebradas propositadamente. Deixei de ir à missa. Deixei de brincar na rua quando as vizinhas da minha idade começaram a ficar atraentes. Comprei um carro, larguei a bicicleta.

Mas tem muitas que não lembro quando deixei. Ou quando comecei. Não ando mais de bicicleta com meus filhos. Leio jornal toda manhã durante o café. Quando comecei a tomar café da manhã diariamente? Não levo meu filho para fazer xixi durante a noite (fiz isto durante muitos anos). Alimento o cachorro (e prendo) todas as manhãs. Não acompanho mais novelas. Não jogo mais futebol com os meninos. Preparo aulas.

A nossa rotina fica mais complicada com os filhos mais velhos. A logística muda. As vontades não são impostas, são negociadas. E os tempos juntos? A rotina de almoçar ou jantar. Ver um pouco de TV. Até aprendi a jogar videogame para entrar na rotina dos pimpolhões. Eita mundão.

No fim das contas, sei o significado de tudo isto. O ninho ficando vazio. A idade avançando. A reflexão é maior do que ação. Sei que foi o contrário. Enfim à procura de rotinas.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

EXISTE RESGATE DE VALORES?

Prof. Me. Sandro Luis Fernandes

Numa conversa com a professora Ana Elisa (biologia), excelente professora e devotado à educação e saúde, discutíamos a falta de interesse e ética de alguns alunos (fim de ano, preocupados com notas finais e conselho de classe).

A Ana comentou que faltavam valores, deveria resgatar o que havia sido perdido. Daí indaguei: o que perdemos? Nada! Nunca na história desta humanidade tantos direitos foram assegurados, há mais sinceridade. As pessoas podem se separar, por exemplo, e é possível falar a verdade sem perseguição política ou moral, pelo menos em muitos lugares desta humanidade.

Mas então qual é o problema, já que eu não quero resgatados valores como escravidão, submissão feminina, autoritarismo paterno, exploração do proletariado, intolerância religiosa, agressão à fauna e à flora, etc. Mas, e o que foi refletido no passado: as virtudes de Aristóteles, a liberdade do indivíduo no iluminismo. Quando efetivamente foram colocadas em práticas? Queremos resgatar valores ou aplicar idéias de convivência já debatidas exaustivamente e pouco colocadas em prática?

Bem, o problema existe. Temos problemas sociais derivados de problemas éticos de convivência. Então como identificá-lo? Pensa-se só em si. O indivíduo pode tudo, o outro sempre está distante.

O prazer imediato é que se busca incessantemente, acreditamos em propagandas, assistimos muita TV, diversão sempre, jovens sempre... Contatos imediatos e frequentes... Muita tecnologia nos isola e aproxima, contradição dos Tempos Modernos (do Lulu Santos e do Chaplin ao mesmo tempo). Isola do próximo, dificulta contato pessoal? Não é este o problema. A questão mais difícil está no que queremos para nós implicar no que outro também quer... O inferno são os outros... E o paraíso é nosso ensimesmamento. Até quando?

Quando olharmos para o lado e vermos um igual, não o outro qualquer as coisas mudarão. Quem está ao nosso lado: os desvalidos, os ricos, os melhores, os piores, os feios e os bonitos... É o concorrente, e daí? O que isto implica em minha vida? Será possível falarmos em competição saudável. Quem perderá para o outro ganhar? Como perguntam os economistas: é possível almoço grátis?

A liberdade, as virtudes, o conhecimento, a ética, a política, a reflexão, é possível resgatá-las a partir das idéias e não das práticas... E então o que nos resta?